‘Os colégios do Brasil estão sendo ocupados pela educação’: o discurso de Ana Júlia e a cobertura da imprensa
Em fala comovente, Ana Júlia, de 16 anos, defendeu a legitimidade das ocupações e deu aula de cidadania a deputadas/os estaduais.
Por Vagner de Alencar, de CLADE
“Eu sou Ana Júlia, estudante secundarista, tenho 16 anos e tô aqui para conversar com vocês. Para falar sobre as ocupações”.
Essas foram as primeiras palavras da jovem direcionadas a deputadas/os estaduais do Paraná. Apreensiva, feroz, sorridente e emocionada, Ana Júlia pareceu deixá-los visivelmente incomodadas/os – ou assustadas/os-, nesta última quarta-feira, dia 26, na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná. Veja aqui o vídeo.
Ana Júlia estuda no Cesmag (Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães), no município de Mercês, no Paraná, um entre os 1000 ocupados em todo o país.
O discurso em meio à conversa embargada vem se espalhando por redes sociais e alguns veículos de comunicação quase como um suspiro de admiração e contento pela jovem.
Nele, categórica, Ana Júlia fala sobre a legitimidade das ocupações e dá uma verdadeira aula de cidadania, além de criticar a PEC 241 e a Escola sem Partido.
Nos primeiros instantes dos 10 minutos em frente à plateia de políticos e colegas secundaristas, Ana Júlia emenda um questionamento que, aparentemente não tão óbvio a/aos parlamentares, parece intrigá-las/os: “De quem é a escola? A quem a escola pertence?”. Em seguida, ela chama atenção para o único fundamento no qual se baseia a série de movimentos.
“A nossa única bandeira é a educação. Somos um movimento apartidário, dos estudantes pelos estudantes. Um movimento que se preocupa com as gerações futuras, que se preocupa com a sociedade, com o futuro do país”.
Ao abordar a Reforma do Ensino Médio, Ana Júlia diz que é preciso debate e participação.
“Sim, a Medida Provisória está prevista na constituição. Só que em casos emergenciais. A gente sabe que a gente precisa de uma reforma no ensino médio. Não só no ensino médio como no sistema educacional como um todo.
A gente precisa de uma reforma que tenha sido debatida, conversada. Uma reforma que precisa ser feita pelos profissionais da área da educação. É essa que a gente precisa. A gente precisa de uma reforma com conversa”, discursou a jovem, que emendou ainda os perigos da implementação da Escola Sem Partido.
“A Escola sem Partido é uma escola sem senso crítico, racista, homofóbica. É falar para nós, estudantes, para os jovens, para a sociedade, que querem formar um exército de não-pensantes, que ouve e abaixa a cabeça”.
Repercussão na mídia
O portal UOL trouxe à manchete “Aluna do PR diz que deputados “têm a mão suja de sangue” e irrita políticos”. O enfoque da reportagem, publicada no último dia 26, às 18h42, sequer apresenta o nome de Ana Júlia. Ela é simplesmente “a aluna”, “a estudante”.
Por outro lado, o site do El País Brasil, em sua publicação do dia 27, às 17h05, trouxe uma abordagem mais propositiva: “Ana Júlia e o emotivo discurso que explica os protestos nas escolas ocupadas”. O texto traz não apenas a amplificação da voz da estudante como contextualiza o discurso de Ana Júlia frente ao que considera um rolo compressor na Educação em consequência da PEC 241, entre outros aspectos.
Apesar da dimensão do movimento, que ganhou força no Paraná e vem se espalhando para vários estados, uma simples busca no Google mostra o abismo em relação à cobertura dos meios, ainda pífia, em relação aos números de escolas e a importância do assunto para o debate público.
No caso do UOL, dos mais de 10 minutos de fala de Ana Júlia, a reportagem pareceu se limitar à provocação feita pela jovem as/aos deputados, quando disse não ter visto as/os parlamentares no velório de Lucas Eduardo Araújo Mota, que foi assassinado dentro da escola Santa Felicidade, em Curitiba.
Ao contrário da mídia brasileira, a Forbes dedicou, também nesta quinta-feira, uma reportagem de destaque à Ana Júlia: “Brazil’s Youth See Their Future, And Her Name Is Ana Júlia” (A juventude brasileira vê seu futuro, e seu nome é Ana Júlia, em tradução livre).
Ana Júlia disse que as/os deputadas/os também tinham as mãos sujas de sangue. Sob tensão, houve a ameaça de abortar a fala da jovem, que se desculpou, pronunciando, em seguida, o Eca (Estatuto da Criança e do Adolescente), para afirmar que, sim, o Estado precisa ter responsabilidade sobre as/os jovens.
Não à toa, Ana Júlia ainda evidenciou por que é fundamental desenvolver o pensamento crítico das/os jovens, sobretudo para interpretar, ou selecionar, como diz, aquilo que a mídia “quer” mostrar.
“Eu convido vocês a nos visitar. É um insulto a nós, que estamos lá, nos dedicando, procurando motivação todos os dias, sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes, aos professores. A nossa dificuldade em conseguir formar um pensamento é muito pior do que a de vocês”.
“Nós temos que ver tudo que a mídia nos passa. Fazer um processo de compreensão, de seleção, para daí a gente conseguir ver do que a gente vai ser a favor e do que a gente vai ser contra. Para daí a gente conseguir compreender. E é um processo difícil. Não é fácil para estudantes simplesmente decidir ao que lutar”.